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E o Papa tinha razão.

A Psicanálise é a “cura pela palavra”, e a palavra é um instrumento de poder e alcance intenso que deixa marcas profundas em nossa mente. Desde pequenos, construímos nossas crenças, pensamentos, opiniões e personalidade através do que vivemos, sentimos e ouvimos. Diante disso, pensamos na responsabilidade que tem nossa fala, fundamentalmente quando se trata de uma palavra ou atos de pais para filhos.

O Papa Francisco vem trazendo, através da palavra, mensagens fortes e refletidas, mobilizando e estimulando o diálogo e a paz no mundo, e, com isso, sua imagem vem se tornando forte e muito respeitada nos mais diversos grupos sociais, independente de credos religiosos e políticos.

Nesse texto, desejamos contrapor algumas afirmações feitas recentemente, em uma audiência, pelo papa Francisco, defendendo o uso da palmada como meio educativo. Pensamos no “papa-pai” como um homem cuja palavra tem tido alcance mundial, e, ao fazer uma declaração como essa, corre o grande risco de estar estimulando e autorizando pais, cuidadores e familiares, muitas vezes comprometidos emocionalmente, a utilizarem a força física no trato com com seu pequeno rebento, que ficará arrebentado por dentro e por fora.

A Psicanálise nos ajuda a pensar que bater nunca, jamais será um ato de dignidade, pelo contrário, é mais provável ser um ato de fragilidade, desespero ou impotência dos pais diante dos filhos.

O Papa Francisco afirmou, nessa audiência geral,dedicada ao papel dos pais na família, que crianças podem ser punidas com palmadas, desde que sua dignidade seja mantida. Comentou também que um pai falou, em um encontro de casais, que: “`às vezes preciso bater nos meus filhos um pouco, mas nunca no rosto, para não humilhá-los”. O Papa Francisco comentou: “Que bonito! Ele mostra um senso de dignidade. Ele precisa punir, mas de modo justo” e acrescentou que os pais precisam saber perdoar, mas também “corrigir com firmeza” seus filhos.

Apesar de inúmeras excelentes declarações que ele vem fazendo, com coragem, e, sobretudo, tendo uma postura mais ativa diante dos milhares de fiéis pelo mundo, acreditamos que esta declaração do Papa é, de fato, perigosa e danosa. Ele é um Papa admirável, como têm sido muitos Papas, admirável sim, pois um deslize não lhe tira o valor de tantos preciosos ensinamentos. Mas, como se concebe tratar um ser pequeno e totalmente indefeso com palmadas, e afirmar que se está mantendo a sua dignidade e sua integridade física e emocional?

Lembremos o valor das suas palavras, em relação aos homossexuais, às mulheres, e até mesmo sua impecável contribuição política que aproximou recentemente EUA e Cuba. Isso mostra como têm sido frutíferas e esperançosas as manifestações do Papa, e o imenso valor que o mundo vem dando a esse homem brilhante.

A Igreja está tentando se livrar das marcas da Inquisição, e, ultimamente, da mancha de difamação deixada pela pedofilia de muitos padres. Neste momento extraordinário, em que o Papa Francisco está tirando a Igreja deste lamaçal, não é a hora de autorizar, com a força papal, a palmada como “digna” norma educativa. Davi, contra o gigante Golias, sabia usar e tinha o direito de usar uma funda, uma espécie de estilingue, com uma pedra. A criança não é Davi, mas vai crescer e poder tratar o gigante pai com a “mesma dignidade”, no futuro.

Todos somos humanos: se somos tratados a tapas com “dignidade”, vamos, depois, tratar o mundo também com sopapos, por certo, com maior “dignidade” ainda. Os pais de hoje vão viver por certo, mais de 100 anos, dependendo muito e por muito tempo dos filhos. As situações vão se inverter.

Se tal tratamento é aceito contra crianças, que tratamento “digno” caberia aos presos nas penitenciárias?

Uma simples palmada por quem quer que seja, em uma criança que não tem capacidade alguma de se defender do ponto de vista físico e emocional, não só não dá limite algum, como pode levar ao estímulo da violência. Que adulto é esse que não tem a capacidade de enfrentar uma teimosia, uma birra persistente de uma criança, contendo-a sem usar de violência? Pensamos que, provavelmente, esse adulto não suporta ver na criança teimosa ou birrenta seus próprios aspectos emocionais. Ele pode ser também um desses pais muito exigentes, que se sentem fracassados na educação do filho. Ele traçou um ideal muito elevado em relação à criança, talvez um ideal seu mesmo que ele não conseguiu atingir e deseja atingir através do filho.

A criança precisa sim de limite, e o solicita o tempo todo, como um desejo de ser amada e compreendida, de poder sentir que o que imagina ruim em si não seja real. Se o adulto reage ao pedido de limite com atos físicos agressivos, podemos esperar que a mente frágil da criança,em desenvolvimento, tenderá a imaginar que só mereça como resposta às suas dúvidas, ansiedades, medos, sentimentos de morte iminente, o tratamento pelas palmadas e não pelas palavras. Mesmo quando seja uma simples palmada. E ainda acrescentamos que apanhar dói, e dói muito, não apenas no corpo, mas também na alma. Então, uma palmada nunca é uma simples palmada. É uma palmada complexa, despertadora de complexos… de inferioridade, de vingança, de Lei do Talião, de olho por olho e dente por dente, de a palmada será minha herança, ou de, o ódio será minha herança…

É senso comum que um grande aliado na educação é o exemplo, e ainda mais se esse exemplo vem do comportamento dos pais diante da vida. Então, podemos supor que o exemplo dado pela punição através da palmada seja: “bata em quem lhe frustrar, meu filho, não há outra solução”.

As relações que mantemos com nossas figuras parentais internas determinam o modo como nos relacionamos com os substitutos delas no mundo externo sem nos apercebermos disso, por ser um movimento inconsciente. Limites são necessários porque são organizadores da mente, mas na medida certa. Se os pais conseguem se manter emocionalmente tranqüilos diante das manifestações emocionais de seus filhos, muito poderão apreender e aprender com eles.

Educar é uma tarefa que exige determinação, bom senso e desejo de assumir a responsabilidade de possibilitar o desenvolvimento de um indivíduo, para que este possa assumir o seu verdadeiro papel no mundo.

Outro questionamento que podemos estar fazendo é: como dar limite sem usar a palmada? Respondemos com outro questionamento. O que vocês, pais e mães, costumam fazer diante de situações que lhes desagradam na vida? É sobre essa capacidade de lidar com as próprias emoções que estamos a falar aqui. A criança que faz algo de errado, espera que suas emoções possam ser contidas por alguém com capacidade emocional e compreensão para lhe responder com uma atitude emocional diferente da sua, mais integrada e madura. Assim, poderá assimilar determinados padrões de comportamentos dos adultos do seu entorno. Eis a questão do exemplo que vem de casa. Se eu apanho em casa, vou ter duas opções lá fora, ou apanho mais ou bato em quem me bateu.

Voltamos a afirmar que a criança precisa de limites e que estes limites podem perfeitamente ser obtidos com firmeza. A contenção física, amorosa e cuidadosa pode perfeitamente ser um meio pacífico e que aproxima os pais dos seus filhos. Sabemos que os pais são mais fortes fisicamente. Eles — os pais– podem também ser mais fortes emocionalmente, e impor o respeito, pela consideração e não pelo exercício e ensino da agressão, principalmente sob o rótulo de “uma simples palmada”.

Nossa ideia em escrever o presente texto partiu de pensarmos a repercussão confusa que pode ter uma fala de alguém tão respeitado, elogiado e querido no mundo de hoje. Esperamos ter mostrado que não estamos julgando, nem determinando os fatos e atitudes da vida. Cada um tem sua historia contida de aspectos internos e externos e vai lidar com seu mundo de acordo com suas escolhas inconscientes e conscientes. O único objetivo aqui foi levar a pensar que existem outras maneiras, saudáveis, de ter e passar dignidade e firmeza aos nossos filhos.

Ao estimular o nosso lado emocional podemos pensar em nossas ações, ligando-as às nossas emoções de momento a momento, e também manter, através de nosso conhecimento, cuidados possíveis com nossa mente e a daqueles que nos cercam. A psicanálise nos dá essa possibilidade vital. Aproveitemos!

Bárbara Facó (Psicanalista GEPFOR)

Karina Bernardes (Psicanalista GEPFOR)

Marúcia Benevides (Psicanalista GEPFOR)

Paulo Marchon (Psicanalista GEPFOR)

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