A Descoberta da Psicanálise
Instrumento que revela, compreende e constrói a civilização
Maria José de Andrade Souza
Quero pedir-lhes inicialmente que renunciem um tanto à ambição que o título desta
conferência propõe.
Começando pelo primeiro termo – Descoberta: creio que pode pressupor um procedimento
alcançado de forma repentina. Porém tal não se deu com a psicanálise. Lembra o historiador Carl
Schorske (1990) que Viena no final do século XIX só era suplantada em importância por Paris,
sendo considerada um pólo cultural efervescente, instaurador do modernismo na ciência, filosofia,
artes plásticas, arquitetura, música e literatura. Segundo Schorske, quando a psicanálise apareceu, a
Europa vivia uma época de transição, onde o mais antigo ou convencional aguardava o advento do
moderno, onde se poderia vislumbrar “uma revolta de uma geração contra seus pais e uma busca de
novas identidades”. Interessante para nós psicanalistas ou simpatizantes da psicanálise, um
comentário desse historiador: “Paradoxalmente, o esforço de lançar fora os grilhões da história,
acelerou os processos históricos, pois a indiferença por qualquer relação com o passado libera a
imaginação, permitindo que proliferem novas formas e novas construções”. Na verdade, essa
revolta não seria contra os pais em si, mas contra a autoridade da cultura paterna que lhes fora
legada.
EINSTEIN, HOFFMANNSTAHL , OTTO WAGNER, K. KRAUS, SCHNITZLER,
MAHLER, SCHÖNBERG, KOKOSCHKA, KLIMT
Em vários campos do saber surgiam notáveis vultos que propunham mudanças revolucionárias: na
física, Einstein dando seguimento a seus estudos, formula a teoria da relatividade; na arquitetura
Otto Wagner, responsabilizava-se pela modernização arquitetônica de Viena; na literatura
destacavam-se Hugo von Hoffmannsthal, Karl Kraus, Arthur Schnitzler; curiosamente, Freud
afirmava brincando , que temia encontrar-se com este último, pois considerava-o um seu duplo ou
alter-ego (Braga Mota, 2000); na verdade Schnitzler debruçava-se no interior do ser humano,
Trabalho apresentado na VIII Jornada de Psicanálise do Núcleo Psicanalítico de Fortaleza – Outubro 2007.
Membro associado SBPSP. Membro efetivo e analista didata da SPR e Gepfor.
referindo-se aos “abismos que estão por trás da consciência” apontando a superficialidade da
sociedade de então numa evidente antecipação da psicanálise e do inconsciente de Freud; em seus
escritos, Eros era sempre parceiro de Tânatos. Na música Gustav Mahler e Arnold Schönberg,
desenvolvendo a atonalidade e o dodecafonismo, tentam evocar o sofrimento humano e o tênue
limite entre o ego e o mundo externo; nas artes plásticas Oscar Kokoschka e Gustav Klimt pintavam
em cores vivas o erotismo, num movimento de contestação à moral repressiva sexual da época. Na
filosofia, Wittgenstein, com seus trabalhos privilegiava a lógica e o estudo da linguagem; J.
Schumpeter, economista e sociólogo austríaco, destacava-se como um dos maiores críticos nãomarxistas
do capitalismo. Havia como que um anseio pelo novo, pela libertação de antigos padrões
no modo de viver e de pensar, de se expressar.
Quanto ao fundador da psicanálise S. Freud, sem dúvida um porta-voz de seu tempo, não se
transformou em psicanalista de uma hora para outra.
A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
No seu livro A interpretação dos sonhos, até certo ponto auto-biográfico, ele resgatou e
relatou através de vários de seus sonhos, conflitos, rivalidades com familiares e amigos, desejos
narcísicos de celebridade, mas sobretudo sua coragem de homem de ciência, empenhado em
descobrir a verdade psíquica sobre si mesmo e sobre os seres humanos. Nesse sentido, não há
paralelo na história da ciência e da cultura, com nenhum outro homem, sobre um certo despudor
saudável ao expor os seus sonhos ao seu público leitor numa tentativa de ilustrar e consubstanciar
suas construções teóricas. A propósito, lembro as fortes impressões experimentadas e guardadas
zelosamente por ele diante do que ele chamou a “matrem nudam” ( a mãe despida”). Nessa
lembrança de infância, resgatada através de associações surgidas diante de um sonho seu, o criador
da psicanálise depara-se com um fenômeno provavelmente característico da espécie humana, o
complexo de Édipo, que ele pôde reconhecer em si mesmo e posteriormente estender seu estudo
para os neuróticos, considerando-o o complexo nuclear das neuroses. Notemos que apesar da
notória coragem e sinceridade de Freud, ele modificou a época da cena para um período mais
recuado do que na realidade foi ( segundo ele aos dois anos e meio, mas segundo Peter Gay aos
quatro anos). Foi ainda disfarçada através do latim, quem sabe tentando distanciar seus significados
emocionais seja para si mesmo seja para seus leitores.
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Aos 16 anos de idade Freud já dava mostras de sua grande curiosidade intelectual e pela
natureza humana, que ficou evidente no seu interesse e forte impressão pela conferência “Sobre a
natureza”, de Goethe, proferida por um seu professor, onde a mãe natureza pôde ser comparada com
a mãe deslumbrante e sedutora que fora efetivamente sua encantadora mãe real.
Noivo de Martha Bernays, com quem veio a se casar, na sua correspondência com ela era
freqüente a menção a seus sonhos como fonte de indagações e reflexões sobre seus desejos,
dúvidas e inquietações..
Convivendo com três mestres importantes ainda quando médico recém-formado, os três em
algum momento lhe fizeram uma revelação da qual tinham ciência, sem contudo poder aquilatar o
seu enorme alcance. Breuer, em dada ocasião fez o comentário: “são sempre segredos de alcova”
referindo-se a uma angústia crônica e poderosa experimentada por uma senhora casada há 18 anos e
ainda virgem. Chrobat, destacado ginecologista da época, certa vez ao comentar os sintomas
histéricos de uma paciente, lhe disse entre sério e jocoso: “ a receita é simples: R/ pênis normalis in
dosim repetatur”. E Charcot afiançava: “ É sempre a coisa do sexual! Sempre, sempre” referindo-se
à origem dos sintomas histéricos.
Desejos sexuais reprimidos, transformados em sintomas psicossomáticos, veio Freud a
constatar no caso Dora. O método da associação livre, criado por ele após o abandono da hipnose,
permitiu-lhe detectar a repressão e a resistência, dificultando a cura dos sintomas. Depois, a
descoberta fundamental da psicanálise, provavelmente o achado mais original, cuja utilização
terapêutica a diferencia de todas as técnicas psicoterápicas, a transferência. Sua contraparte
somente seria melhor percebida e enunciada em 1910, a contratransferência.
Embora A interpretação dos sonhos tenha sido publicada em 1900 por decisão de seu
editor, na verdade já estava em andamento desde 1897 a partir de sua correspondência com Fliess,
após abandonar sua ambiciosa obra anterior, “Projeto para uma psicologia para neurólogos”,
considerada por ele próprio mais com pretensões neurológicas do que psicológicas.
Podemos considerar A interpretação dos sonhos como um marco fundante na construção no
edifício da psicanálise, porque ali foi pela primeira vez formulada a noção de aparelho psíquico,
que veio a configurar a primeira tópica; as vicissitudes do processo de simbolização, os processos
primário e secundário e três importantes mecanismos do funcionamento mental, a atuarem não
apenas no sonho noturno mas também no sonho diurno. Esses mecanismos são o deslocamento, a
condensação e a consideração de figurabilidade. A interpretação dos sonhos nos conduziria ainda a
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entrever os desejos sexuais infantis oriundos do complexo de Édipo, comparecendo regularmente na
formação do sonho e mascarados pela censura (posteriormente conceitualizada como superego).
Podemos dizer ainda que A interpretação dos sonhos foi o grande salto teórico para o
estabelecimento do que Freud chamou de metapsicologia, uma psicologia que contemplava
diferentemente da psicologia da época, o estudo do inconsciente com suas características próprias,
como seu caráter dinâmico, sua não-temporalidade, ausência de absurdo, de contradições, de
proibições e o depositário do reprimido
Depois de A interpretação dos sonhos provavelmente sua obra mais significativa tenha sido
Três ensaios sobre a teoria sexual, (1905) um dos eixos principais da psicanálise, que veio a revelar
a sexualidade infantil, perversa e polimorfa, de cujas relíquias o adulto é guardião, causa de
estupefação para alguns mas preciosa fonte de ensinamentos para a compreensão do funcionamento
emocional humano, obra pode-se dizer, revolucionária para a época.
A EXPANSÃO DA PSICANÁLISE
Alguns anos seriam necessários para que a jovem ciência começasse a ser aceita e se
difundisse além dos horizontes de Viena. Um passo dado nesse sentido foram as reuniões das
quartas-feiras na casa de Freud, (1902) freqüentadas não apenas por médicos interessados, como
também por leigos. Max Eitingon foi um exemplo. Progressivamente essas reuniões foram atraindo
profissionais de renome da época, como Gustav Jung, e E. Bleuler, de Zurich e mais adiante outros
profissionais da Hungria, Alemanha, Estados Unidos, etc.
Com o crescente interesse de novos adeptos, em 1910, no Congresso de Nuremberg, Freud
juntamente com vários de seus seguidores, fundou a Associação Internacional de Psicanálise, (IPA)
com a finalidade de congregar mais profissionais interessados, divulgar a jovem ciência, bem como
estabelecer padrões de formação para novos psicanalistas. Naquele momento então, a psicanálise já
dispunha de uma clínica, um corpo teórico e uma técnica.
Se até então Freud afirmava que para alguém tornar-se psicanalista bastava aprender a
interpretar seus próprios sonhos, progressivamente a prática de seus discípulos foi mostrando ser
necessário um certo rigor na técnica, uma vez que alguns desses discípulos envolviam-se
afetivamente com suas analisandas, criando situações insustentáveis para a continuação do
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tratamento. Em 1922, Eitingon criou o modelo tri-partite de aprendizado, formado de análise
pessoal, aprendizado teórico e técnico para o exercício do ofício de psicanalista.
A nova ciência continuou ganhando mais adeptos mas também uma constante re-elaboração
de seus construtos teóricos a partir do próprio Freud, sempre atento às lições que extraía de sua
clínica, sua maior fonte de conhecimentos. Assim é que em 1920, depois de escrever vários textos
psicanalíticos, lança Além do princípio do prazer, através do qual concebe outra composição e
funcionamento das pulsões, inaugurando a noção de pulsão de morte, ou seja, a segunda teoria
pulsional, com base no estudo dos sonhos, na sintomatologia apresentada por alguns de seus
analisandos portadores de neurose obsessivo-compulsiva e de neurose traumática, por exemplo.
Destacando somente alguns de seus trabalhos mais importantes, citaria O ego e o id (1923)
onde a composição do aparelho psíquico ganha maior complexidade. Se na primeira tópica havia
uma ênfase em tornar consciente o que estava inconsciente, Em O ego e o id desenha-se uma maior
ambição para o funcionamento psíquico: “onde era id possa advir o ego”, recebendo maior destaque
o papel das representações. O ego com maior proporção de representações é o ego com maior
capacidade de simbolização, que pode transformar imagens inconscientes em palavras ou em
encadeamento de idéias, pensamentos, transformação de derivados pulsionais em capacidade
sublimatória, com todos os seus desdobramentos.
Totem e tabu, O futuro de uma ilusão, Reflexões para os tempos de guerra Psicologia das
massas e análise do eu, Moisés e o monoteísmo, são todas obras de grande valor para o estudioso
da cultura e da civilização.
O mal-estar na civilização (1930) é certamente um dos mais estudados textos de Freud
sobretudo por aqueles que se dedicam ou se interessam por outros campos do saber como escritores,
historiadores, sociólogos e outros profissionais ligados à comunicação mediática.
FREUD – CIENTISTA, ESCRITOR, PENSADOR DA CULTURA
Harold Blum, (2003) um dos críticos literários mais lidos da atualidade, situa Freud não só
entre os grandes pensadores e cientistas da humanidade, como Platão e Marx e Einstein, como entre
os maiores escritores de todos os tempos, como Shakespeare, Montaigne, Proust e afirma que o
método terapêutico de Freud poderá ser obscurecido, mas não a sua teoria da mente.
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Será que a psicanálise compreende o ser humano? Não sei se podemos afirmar isso de uma
forma completa mas certamente ela faz uma tentativa mais corajosa do que outras abordagens
psicoterápicas, ao revelar sem falso pudor, os componentes destrutivos do funcionamento
emocional humano, evitando uma postura de julgamento ou de complacência.
O principal objetivo da psicanálise desde Freud continua sendo o conhecimento da alma humana,
mormente na situação analítica, no embate analisando-analista. Ela também tem dado sua
contribuição à compreensão da civilização, ao estudar suas produções científicas, culturais e
artísticas bem como a pulsão destrutiva, que ameaça até o desaparecimento de nosso planeta.
Nosso mundo pulsional contudo, não é apenas destrutivo. Também somos seres
construtivos, como comprovam os inúmeros monumentos deixados pelos povos antigos da Grécia,
Roma, Egito, Iraque as relíquias históricas reverenciadas nos grandes museus de Nova Iorque,
Paris, Londres, Itália, Turquia e outros, as bibliotecas, as belas e sólidas construções arquitetônicas
que resistem ao tempo e mesmo à destrutividade do próprio homem, sem falar nas arrojadas
construções de pontes e edifícios modernos. Nossa consciência de preservação da natureza ainda é
muito tímida, mas de toda forma existe. Sabemos da existência da fome e da miséria no mundo, da
injusta e cruel distribuição da riqueza entre os homens. Pode ser que cheguemos a um momento em
que além de constatar esse fato possamos tomar alguma atitude coletiva mais concreta.
A psicanálise, ao revelar o ser humano a si mesmo, nos seus aspectos primitivos e bárbaros
como também nos seus aspectos de reparação e sublimação, aponta-lhe seu lado criativo,
preservador do que possui e alargador de seus limites.
Assim, ao revelar a sua essência não apenas pulsional mas também constitutiva de relações
de objetos, aceita-o como ser humano potencialmente destrutivo sim, mas também como criador,
capaz de construções, de pensamento e elaboração.
OS CONTINUADORES DE FREUD
Se falamos em relações de objeto, estamos falando em outro momento da psicanálise,
iniciado com Melanie Klein, Fairbain, Winnicott e desenvolvido por W. Bion e seus seguidores.
Apesar de suas bases terem sido lançadas pelo gênio de Freud, a psicanálise vem buscando outros
referenciais, desde a identificação projetiva, conceito utilizado não apenas por kleinianos,
bionianos, winnicottianos, como também pelos chamados freudianos clássicos; outros conceitos
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psicanalíticos importantes da escola kleiniana são os de fantasia inconsciente, objetos internos e os
de posições depressiva e esquizo-paranóide. Winnicott contribuiu sobretudo com os conceitos de
falso self, e verdadeiro self; holding, o uso da regressão no setting analítico e sobretudo o conceito
de uso do objeto e objetos e fenômenos transicionais e espaço potencial. Bion nos trouxe o
importante conceito de reverie, os de continência ou continente-contido e o estudo da oscilação
posição esquizo-paranóide-depressiva como importante norteador da situação analítica. Heinz
Kohut nos convidou a um olhar mais aprofundado sobre o narcisismo. Não podemos esquecer os
importantíssimos estudos de Frances Tustin sobre o autismo que ganhou importantes adeptos em
D. Meltzer e Anne Alvarez. E no presente, contamos com brilhantes analistas como André Green,
Antonino Ferro, Thomas Ogden e genericamente a escola francesa de psicanálise com expoentes
como Joyce Mac Dougall que vêm se dedicando ao estudo das sexualidades, junto com Janine
Chasseguet-Smirgel. Com René Diatkine, Serge Lebovici (falecido), Michel de M’Uzan e Pierre
Marty vem aprofundando seus estudos sobre pensamento operatório e transtornos psicossomáticos.
Com certeza há muitos outros a serem lembrados bem como os da escola britânica de psicanálise,
sendo dos mais brilhantes participantes Herbert Rosenfeld, Betty Joseph e Hanna Segal (falecida
recentemente) além de R. Britton,e John Stein . Na América Latina podemos citar os Baranger, (W
e M.) A. Limentani, A. Rascovski, M. Langer, Horácio Etchegoyen; Elizabeth Bianchedi e Ignácio
Matte-Blanco como grandes estudiosos de Bion, certamente havendo outros nomes a serem
invocados, e como grande estudioso e propagador do pensamento de Bion entre nós do Ceará,
lembro Paulo Marchon.
Certamente que até o momento ninguém deu uma contribuição tão original e volumosa
como S. Freud. Eric Kandel, Nobel de química de 2001 praticamente reclama do decréscimo de
contribuições psicanalíticas originais a partir da segunda metade do século XX. Aqui coloco uma
questão provocadora: será que Freud “esgotou o assunto” ou os novos psicanalistas conferimos a ele
o saber supremo do pai e não nos arriscamos a descobrir novos fenômenos?
Dirigindo-me ao aspecto clínico da psicanálise, lembro um representante da psicanálise
contemporânea, J. Bégoin, (2001) que nos fala de “aspectos ainda não nascidos do self, muitas
vezes soterrados por defesas que vêm á luz somente à custa de um árduo trabalho psicanalítico.”
Um dos aportes mais recentes da psicanálise vem sendo o estudo da influência da pessoa do
analista na sala de análise, (Conferência Internacional sobre a Clinica Psicanalítica, Rio de Janeiro,
nov. 2006) como constituinte do chamado “campo da psicanálise” fenômeno enunciado pelos
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Baranger e que vem sendo retomado por vários autores, que consiste em reconhecer que o analista
influencia a mente do analisando bem como que o analista também é influenciado pelo analisando.
Tal compreensão encontra suporte no postulado de Heisenberg, (1927) pelo qual o observador de
um determinado campo estudado, influencia o objeto pesquisado, através de suas teorias e de sua
subjetividade.
Entretanto, a psicanálise desde os seus primórdios, vem recebendo críticas, às vezes pesadas.
A interpretação dos sonhos, quando lançado, de acordo com Ernest Jones, foi considerado por
alguns, literatura pornográfica e Freud, um caso de polícia. Durante 10 anos, o livro vendeu apenas
600 exemplares. A origem das espécies, de Darwin (1848) já havia vendido 1000 exemplares antes
de ser lançado. Para a humanidade, seria menos doloroso saber que não havia sido feita à
semelhança de Deus do que dar-se conta de ser habitada por um universo irracional, que por vezes
nos faz agir por impulsividade, egoísmo, necessidade de poder e cegueira? Lembremos pelo menos
três momentos terríveis na história da humanidade, como a Inquisição, a escravidão e o nazismo e
contemporaneamente o terrorismo político e no cotidiano, o preço que pagamos pela perversa
distribuição da riqueza, refletido em assaltos e seqüestros para arrancar dinheiro.
A PSICANÁLISE TEM OPOSITORES…
Apesar de sua expansão e ter influenciado vários campos da cultura a partir do século XX a
psicanálise tem encontrado opositores como Karl Popper (1962) que lhe negou o estatuto de ciência
pela ausência da possibilidade de refutação.
Em 1995, o procurador da Biblioteca do Congresso, de Washington, Michel Roth, propôs uma
exposição da coleção do acervo de Freud, constituída de fotos, manuscritos e livros raros
relacionados ao criador da psicanálise. Um evento que se imaginou ser pacífico, na verdade
provocou o protesto e manifestações contrárias como um abaixo-assinado de 50 pessoas
consideradas representantes intelectuais e do pensamento científico, como Oliver Sachs, o
conhecido neurologista, considerando a psicanálise como retrógrada e pseudo-ciência. Os
manifestantes reclamavam por estar sendo usado dinheiro e edifícios públicos para fazer uma
apologia de Freud, sem dar espaço para contestações. A Mostra foi realizada só em 1998 mas foi
estendida para várias capitais americanas. Atendendo às críticas, os organizadores decidiram incluir
artigos críticos sobre Freud , como os dos filósofos Frank Cioff, e Arnold Grünbaum, da
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psicanalista Muriel Dimen, do neurologista Oliver Sacks, registro de comentários anteriores de L.
Wittgenstein e J.M.Catel, ambos contrários à psicanálise. No painel de entrada da exposição, havia
uma faixa com a perturbadora indagação: “Ele foi um cientista, um escritor, um gênio, ou uma
fraude?” procurando-se questionar o que as pessoas têm como garantido e não, convencê-las.
Essa Mostra chegou ao Brasil onde teve boa receptividade em São Paulo, Porto Alegre e Rio de
Janeiro.
Em São Paulo mereceu significativa participação de grande número de psicanalistas e da
mídia. Pesquisas realizadas evidenciaram que o Brasil recebeu importante influência das idéias de
Freud, através do movimento modernista que se manifestou na literatura e teatro antes mesmo da
França, onde a psicanálise só aparece de forma mais definitiva nos domínios da arte e da cultura, a
partir de 1924 com o movimento surrealista francês.
R. Webster (1999) de Oxford, escreveu “Freud estava errado. Porque?” Ali o autor
reconhece o gênio de Freud, ombreando-o com Platão e Marx mas contesta os estudos de Freud
sobre a sexualidade, como derivados de uma tradição cultural moral-religiosa e com insuficiente
base empírica para sustentação científica
Retomando a idéia descoberta-construção, talvez possamos dizer que assim como a
psicanálise foi construída por seu fundador ao longo de penosas décadas, e continua a sua faina
através de seus seguidores, o nosso crescimento emocional é algo a ser constantemente construído e
re-construido, passo a passo, por meio de um exame cuidadoso, respeitoso, humilde.
Da mesma forma, a ciência psicanalítica foi construída com permanentes reavaliações e
desenvolvimentos, haurindo conhecimentos da cultura através da mitologia, história, antropologia,
literatura, lingüística e outros campos do saber.
A psicanálise não é uma ciência acabada, necessita continuar se desenvolvendo para que não
estagne em meias-verdades e dogmas. Provavelmente ainda estamos engatinhando em relação ao
conhecimento de nós mesmos, dos seres humanos.
Em A história do movimento psicanalítico, Freud referiu-se a Schopenhauer como o inspirador do
conceito de repressão. Em Além do princípio do prazer ele se refere a Demócrito de Abdera (360
a.c.) a quem ele não recusaria a autoria da noção de pulsões de vida e de morte.
Não devemos recusar novos conhecimentos que porventura provenham da psicologia do
desenvolvimento pois assim como adquirimos valiosos conhecimentos originados do trabalho de
Daniel Stern nessa área, certamente alcançaremos mais, de seus continuadores. As neuro-ciências, a
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lingüística, a filosofia, a medicina, a arte, a literatura, deverão continuar a nos dar sua importante
contribuição.
Embora nossa maior fonte de experiência e conhecimentos sobre o ser humano, deva
abastecer-se da clínica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bégoin, J. (2001) –
Bloom, H. (2005) – Onde encontrar a sabedoria? – Trad. José Roberto O’Shea, revisão Marta
Miranda O’Shea – Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 2005.
Gay, P. (1989) – Freud para historiadores – Trad. Osmyr faria Gabbi Jr. – Ed. Paz e terra. Rio de
Janeiro, 1989.
Kandell, E.R. – American J. Psychiatry, 156:4, 1999
Shorske, C. E – (1990) -Viena fin-de-siècle – Editora da Unicamp – Companhia das Letras.
http://en.wikipedia.org/wiki/Eric Kandell